quarta-feira, 9 de maio de 2012


CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE ALGEMAS EM ADOLESCENTE INFRATOR

O texto a seguir é de autoria da Dra.Gisele de Lima Pereira - Delegada de Polícia.


Excelente texto que ilustra bem a crescente criminalidade praticada por jovens menores de idade e a forma adequada de tratamento dispensada pelos agentes da lei.

Vale a pena ler o artigo em sua íntegra.







A criminalidade infanto-juvenil vem crescendo sensivelmente nos últimos anos, gerando um aumento no número de ocorrências policiais envolvendo adolescentes infratores, bem como de apreensões dessas pessoas em desenvolvimento.

Muitas vezes, a fim de efetuar tais apreensões, torna-se necessária a contenção da resistência oferecida pelos adolescentes, oportunidade na qual o policial se depara com a seguinte questão: é permitido o uso de algemas em adolescente infrator?


A criminalidade infanto-juvenil vem crescendo sensivelmente nos últimos anos, gerando um aumento no número de ocorrências policiais envolvendo adolescentes infratores, bem como de apreensões dessas pessoas em desenvolvimento.

Objetivando dar o supedâneo legal para o uso de algemas em adolescentes infratores, é que teceremos algumas considerações.

Primeiramente, urge destacar que o uso de algemas em pessoas imputáveis já é matéria bastante tormentosa, devido à falta de disciplina legal, porém, afigura-se ainda mais questionável em relação aos adolescentes infratores.

Neste compasso, cumpre iniciar a presente análise apontando o artigo 199 da Lei de Execução Penal, o qual dispõe que o emprego deste instrumento será disciplinado por decreto federal. Entretanto, este decreto não foi editado até o momento.

O Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, em seu artigo 474, sinaliza o uso de algemas dentro do Princípio da Proporcionalidade, nos seguintes termos : "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".
Vale citar, a título de ilustração, que o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 234, §1º, já menciona, expressamente, ser permitido o uso das algemas quando houver perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, devendo, no entanto, ser evitado.

Outrossim, analisando o Código de Processo Penal, verificamos que, apesar de não haver alusão sobre o uso de algemas, o artigo 284 autoriza, excepcionalmente, o emprego da força, quando indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga de preso.

O artigo 292 do CPP, por seu turno, prevê que, se houver resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, ainda que por parte de terceiros, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para a defesa ou para vencer a resistência.
Ora, se a própria lei processual penal legitima o emprego da força física, assim como dos meios necessários, nos casos acima referidos, outra não pode ser a solução senão também a permissão do uso de algemas, que nada mais é do que um meio eficiente de contenção, e, diga-se de passagem, muito menos lesivo do que o emprego da vis absoluta.

Corroborando tal assertiva, encontramos o ensinamento do Professor Luiz Flávio Gomes, proferido num artigo relativo ao tema, acessível na Internet, segundo o qual "indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificativa teleológica ('para' a defesa, 'para' vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais razão), de algemas."

Destarte, sempre que para a defesa do policial ou de outras pessoas, como também para vencer a resistência for indispensável a medida consistente no uso de algemas como meio menos lesivo à disposição no momento, a utilização destes objetos estará justificada.

Tudo se resume no Princípio Constitucional da Proporcionalidade, exigindo adequação, necessidade e ponderação na medida, cuja aplicação no Direito Processual Penal encontra-se contemplada pelo artigo 3º do Código de Processo Penal.

Cabe frisar que é razoável o que é conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.

Por oportuno, insta sublinhar, ainda, que todas as vezes que alguém exorbita desse limite incorre nas penas cominadas ao crime de abuso de autoridade, nos moldes dos artigos 3º, "i" e 4º, "b" da Lei 4898/65.
Em que pese todas as considerações até então expendidas, não podemos olvidar que, em relação a adolescentes infratores, incidem as normas específicas da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, inegavelmente, criou o devido processo legal concernente a estes indivíduos, que passam a figurar como sujeitos de direitos e não mais como meros objetos de investigação.
A Lei nº 8.069/90 revolucionou o Direito da Infância e da Juventude, ao adotar a doutrina da proteção integral, recomendando que crianças e adolescentes gozem de proteção diferenciada, especializada e integral, possuindo direitos próprios e especiais, devido à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

Assim, faz-se mister principiar a apreciação da temática em apreço, a partir da análise dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesta esteira, após compulsarmos atentamente a Lei nº 8.069/90, percebemos que não há, naquela normativa, qualquer regramento específico relativo ao emprego de algemas em adolescentes infratores.
Desta forma, a solução da problemática em tela deve tomar como ponto de partida a norma veiculada pelo artigo 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que impõe a aplicação subsidiária das normas gerais previstas na legislação processual pertinente aos procedimentos da Lei nº 8.069/90.

Por tratar-se de assunto relativo a adolescente infrator, o qual pode ser definido como o indivíduo entre 12 (doze) anos completos e 18 (dezoito) incompletos que pratica ato infracional, sendo este, por sua vez, a conduta descrita como crime ou contravenção penal, consoante dispõe o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a norma processual pertinente é o Código de Processo Penal e as demais leis processuais penais vigentes.

Portanto, devido à ausência de previsão específica acerca do uso de algemas em adolescente infrator, no Estatuto da Criança e do Adolescente, devem ser utilizadas, para o deslinde da questão, as normas gerais da legislação processual penal, que, in casu, são as dos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, já anteriormente mencionados.

Do exposto, é forçoso concluir que está plenamente autorizado o emprego de algemas em adolescentes infratores sempre que indispensável na hipótese de resistência ou tentativa de fuga ou, se houver resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, desde que constituam meio necessário para a defesa ou para conter a resistência, em decorrência da permissão contida nos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal.

Por fim, convém ressaltar que, se os adultos possuem direito à preservação da integridade física, por conseqüência lógica do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, dogma constitucional fundamental de todo Estado Democrático de Direito, os adolescentes, de acordo com a doutrina da proteção integral, têm direito à mesma com prioridade, o que justifica o uso das algemas como o meio de contenção menos lesivo à incolumidade corporal do adolescente, substitutivo do emprego da força física, nas hipóteses em que a lei permite.

Dra.Gisele de Lima Pereira - Delegada de Polícia 

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